Anthem, título lançado pela BioWare em 2019 sob altas expectativas, é hoje lembrado como uma das maiores decepções da indústria nos últimos anos. Anunciado como uma nova aposta ambiciosa da Electronic Arts no modelo de “jogo como serviço”, o título prometia combates dinâmicos com exoesqueletos voadores em um mundo vivo e interconectado. Porém, o que chegou ao público foi um produto com identidade confusa, problemas técnicos e uma base de conteúdo insuficiente.
Agora, anos após o fracasso comercial e crítico, Mark Darrah, ex-produtor executivo da BioWare, resolveu contar sua versão dos bastidores por trás do colapso do projeto. Em uma série de vídeos publicada em seu canal no YouTube intitulada “What Really Happened to Anthem”, o desenvolvedor detalha os obstáculos criativos e estratégicos que, segundo ele, condenaram o jogo desde os estágios iniciais de desenvolvimento.
Uma visão que se recusava a olhar para os lados
Um dos pontos centrais da crítica de Darrah é o fato de a BioWare e a EA evitarem fazer qualquer associação direta entre Anthem e outros jogos populares do mesmo gênero, como Destiny e Borderlands. Essa recusa, segundo ele, prejudicou seriamente a tomada de decisões fundamentais sobre o design e a estrutura do jogo.
“Uma das coisas que me pareceram realmente estranhas foi que o projeto parecia relutante em nomear seus concorrentes”, explica Darrah. “Anthem foi concebido em um mundo pré-Destiny, mas o jogo que surgia lentamente daquele caos se assemelhava muito a Destiny, ou talvez a Borderlands.”
Segundo ele, a equipe de desenvolvimento evitava qualquer tipo de comparação externa, mesmo que essas analogias pudessem servir como ponto de partida para orientar sistemas de gameplay e decisões técnicas. Isso forçou a criação de mecânicas complexas do zero, resultando em inúmeras iterações desnecessárias e um cronograma inchado.
“Se você está disposto a dizer ‘essa parte é como Destiny’, ou ‘essa parte é como Borderlands’, você já começa a conversa em um território conhecido. A partir daí, pode evoluir.”
Desorganização, voos longos e decisões travadas
Na visão de Darrah, se a equipe tivesse assumido Anthem como um “Destiny com trajes mecânicos e voo”, muito do processo poderia ter sido simplificado. A falta dessa clareza, porém, levou a um ciclo de indecisão constante, com retrabalho e soluções que tentavam reinventar sistemas já consolidados por jogos semelhantes. Essa busca por uma identidade isolada resultou não apenas em um produto inconsistente, mas também em um desgaste interno que afetou outros projetos dentro da BioWare.
Darrah também revelou que o foco intenso da EA em transformar Anthem em um sucesso desviou recursos e atenção de outros projetos cruciais da BioWare, como o novo Dragon Age. O RPG (uma das franquias mais respeitadas do estúdio) chegou a ser remodelado para incorporar elementos de jogos como serviço, seguindo a linha imposta pela publisher.
Embora esse modelo tenha sido posteriormente abandonado no caso de Dragon Age: Dreadwolf, o impacto da decisão inicial gerou atrasos e mudanças estruturais no projeto, alimentando a sensação de crise criativa que acompanhou a BioWare durante boa parte da última década.
Um alerta sobre identidade e mercado
A série de vídeos de Mark Darrah oferece mais do que um simples relato de bastidores — ela funciona como uma análise crítica sobre como decisões corporativas e falta de clareza de identidade podem arruinar projetos promissores, mesmo quando contam com orçamentos robustos e talentos veteranos.
Anthem, embora ainda mantenha um pequeno grupo de fãs, jamais conseguiu se recuperar. A EA anunciou oficialmente o fim do suporte ao jogo em 2021, encerrando de vez as tentativas de reformulação. Já a BioWare, hoje focada no próximo Dragon Age e em um novo Mass Effect, tenta reconstruir sua reputação com um retorno às raízes: RPGs single-player centrados em narrativa e escolhas significativas, longe do modelo de jogo como serviço que custou caro à sua imagem.
Fonte: GamesRadar