Durante muitos anos, os gráficos foram um dos principais critérios de avaliação de um jogo. Modelos realistas, cenários detalhados e efeitos em tempo real sempre foram tratados como sinônimo de avanço técnico e, para muitos estúdios, também de qualidade. No entanto, essa lógica vem sendo cada vez mais questionada por criadores consagrados da indústria.
Fumito Ueda, diretor de clássicos como Shadow of the Colossus e The Last Guardian, e Keita Takahashi, criador de Katamari Damacy, compartilharam suas visões em uma recente entrevista que vem repercutindo entre desenvolvedores. Ambos acreditam que o impacto visual deixou de ser o centro da experiência, dando lugar a elementos como narrativa, proposta criativa e emoção.
“A grama já não impressiona mais”
Para Ueda, os tempos em que tecnologias como partículas em tempo real e folhas de grama que se movem ao vento eram consideradas diferenciais de venda ficaram no passado.
“Já passamos da época em que mover cada folha de grama em tempo real era um diferencial de venda. Hoje isso é o básico”, afirmou o diretor. “O esforço precisa ser para surpreender as pessoas em outros aspectos.”
Keita Takahashi reforçou essa ideia usando Roblox como exemplo. O jogo, que se tornou uma plataforma de criação e abriga milhões de usuários ativos, é visualmente simples, com gráficos rudimentares. Ainda assim, sua popularidade é indiscutível.
“Ver as crianças jogando Roblox prova que a grama nem precisa balançar. Até a animação pode ser apenas boa o suficiente. É estranho, mas essa é a era em que vivemos.”
De feira tecnológica a expressão artística
Ueda destaca que, nas décadas de 1990 e 2000, os jogos eram tratados quase como vitrines tecnológicas.
“Nossa geração de jogos era como uma feira de tecnologia: sprites maiores, gráficos em 3D. Hoje o meio está maduro; o que importa é o conteúdo, apresentação, história, emoção”, explicou.
Para ele, o investimento criativo deve se concentrar em experiências que toquem o jogador em níveis mais profundos — algo que os gráficos, por si só, não conseguem alcançar. A mudança de mentalidade também se reflete no público. Se antes os trailers mais chamativos eram os que exibiam gráficos hiperrealistas e efeitos de iluminação impressionantes, hoje há espaço para jogos visualmente simples, mas com identidade forte e propostas criativas. Títulos como Undertale, Dave the Diver, Stardew Valley e Among Us são provas de que uma boa ideia ainda pode superar qualquer benchmark técnico.
A maturidade do meio e o futuro dos jogos
Para os veteranos, essa transição é natural e até saudável. À medida que a indústria amadurece, o valor de um jogo passa a ser medido pelo impacto emocional, pela originalidade e pelo quanto consegue se conectar com o jogador e não apenas pela fidelidade visual.
“É melhor investir recursos no que realmente vai impressionar o público”, reforça Ueda.
A fala ressoa com tendências atuais em estúdios independentes e até mesmo em grandes desenvolvedoras, que passaram a equilibrar os aspectos técnicos com experiências significativas. Em tempos em que a tecnologia deixou de ser o único diferencial competitivo, os jogos que marcam são aqueles que têm algo a dizer e que conseguem fazer isso de forma única, com ou sem grama balançando.
A era da ostentação gráfica pode ter passado, mas a criatividade e a emoção continuam sendo os maiores motores da inovação nos videogames.