Quando Metal Gear estreou no MSX2 em 1987, as limitações tecnológicas da época não influenciaram apenas a jogabilidade, mas também a forma como os personagens eram concebidos. Um dos maiores exemplos disso é o protagonista Solid Snake, que surgiu como um herói silencioso, não por escolha narrativa, mas por necessidade técnica.
Em um ensaio recente publicado na revista japonesa An An, Hideo Kojima relembrou os primeiros passos de sua carreira e como a ausência de recursos moldou Snake. Segundo ele, naquela época os jogos sequer contavam com dublagem, e até mesmo a exibição de texto era bastante limitada.
O silêncio imposto pela tecnologia
“Em 1986, quando entrei na indústria de games, os personagens não tinham voz”
-explicou Kojima.
“Nem mesmo havia suporte para caracteres kanji — tudo era exibido um por um.”
Diante disso, Snake foi concebido como um herói calado, reforçando uma postura dura e misteriosa que se tornaria sua marca registrada.
As limitações do MSX2, como a exibição apenas em katakana (um dos sistemas silábicos japoneses mais simples), também restringiram diálogos complexos. Assim, o personagem seguiu silencioso — não por falta de personalidade, mas porque a tecnologia não permitia mais do que isso.
A chegada do CD-ROM e a transformação do personagem
Foi apenas com o advento do CD-ROM2 da NEC, um ano depois, que os jogos passaram a contar com espaço suficiente para incluir vozes. Kojima logo aproveitou a novidade. Em seu primeiro experimento com dublagem, ele participou do processo de seleção, mas recorda que tudo foi feito às pressas, sem ensaios ou tempo para interações com os dubladores.
“Peguei o trem-bala de Kobe até Tóquio, cheguei ao estúdio e os atores já estavam diante dos microfones. Tudo terminou em poucas horas. Foi uma experiência que me deixou bastante insatisfeito”
-disse ele.
Essa vivência influenciou diretamente a maneira como Kojima passou a lidar com as gravações de voz em projetos futuros, buscando mais envolvimento e tempo com os atores.
Metal Gear Solid e a voz icônica de Snake
Foi só em Metal Gear Solid, de 1998, que Snake finalmente ganhou voz. Com um tom sarcástico e cativante, Kojima queria que ele lembrasse figuras como James Bond e Lupin III. As interpretações de Akio Otsuka no Japão e David Hayter no Ocidente marcaram profundamente o personagem e ajudaram a torná-lo um ícone dos videogames.
Snake como espelho do jogador
Apesar da voz marcante, Kojima nunca abandonou completamente o conceito do protagonista contido. Em Metal Gear Solid V: The Phantom Pain (2015), por exemplo, o diálogo de Snake é propositalmente escasso. A ideia era reforçar a sensação de que o personagem é, na verdade, uma extensão do jogador.
“Snake sempre foi pensado como um avatar do jogador. Por isso, nesse jogo, optei por deixá-lo o mais próximo possível da perspectiva de quem está no controle.”
-comentou Kojima em entrevista à IGN.
Segundo ele, são os personagens secundários que conduzem a trama, enquanto Snake reage — ou permanece em silêncio, reforçando o elo com o público.